sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Materialismo Histórico não é o mesmo que Marxismo, e ambos distinguem-se do pensamento de Marx

Com o último texto, completamos os elementos iniciais para a compreensão deste terceiro paradigma que surge a partir do período em que a História passa a se postular como um saber de tipo científico. Outros paradigmas, e outras correntes teóricas, e também inúmeras variações nos paradigmas já mencionados, e combinações entre eles, viriam depois. Por ora, encerraremos este bloco inicial, e brevemente estaremos discutindo um outro conceito importante para a Teoria da História, que é o conceito de "Escola" (escola histórica, ou 'escola historiográfica). Gostaríamos, todavia, de encerrar o bloco com um alerta importante acerca do paradigma do Materialismo Histórico.

Não raramente, “Materialismo Histórico” e “Marxismo” são utilizados por autores vários como expressões sinônimas. Esta relação, contudo, deve ser antes de mais nada problematizada, e nos nossos textos rejeitaremos qualquer confusão ou sobreposição entre os dois termos. A distinção entre “marxismo” e “materialismo histórico” deve ser feita antes mesmo de entrarmos no mérito de que o próprio campo teórico do Materialismo Histórico, inaugurado em meados do século XIX por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), encontrou muitos desdobramentos e variações posteriores, assim como assistiu a transformações bem significativas com relação a alguns dos pressupostos básicos propostos pelos dois fundadores.

Desta forma, antes mesmo de adentrar a riqueza deste campo teórico, é preciso desde já considerar a diferença entre aquele modelo de ação política que mais tarde ficaria conhecido como Marxismo-Leninismo, e que também geraria suas variações, e o Materialismo Histórico enquanto paradigma, método e abordagem teórica para a compreensão dos processos históricos. O “marxismo-leninismo” é um programa de ação política que visa estabelecer uma sociedade comunista a partir de certas ações, que também são muito discutidas em termos de quais seriam as mais adequadas (luta armada, ditadura do proletariado, mobilização de operários ou de camponeses, aliança inicial com a burguesia, participação na política tradicional). Esta diversidade de posições com relação a questões específicas gera muitas correntes no interior do próprio marxismo-leninismo.

Aliás, deve-se repetir o óbvio: a perspectiva de estabelecimento de uma sociedade socialista não é necessariamente ligada a um programa de ação marxista, e muito menos ao marxismo-leninismo. Todo marxismo-leninismo visa a uma sociedade comunista; mas nem todo programa ou pensamento que visa uma sociedade comunista é marxista-leninista (há inúmeras variações, dentro do marxismo, e fora dele também, de correntes que visam o socialismo, tais como o moderno viés da social-democracia, o anarquismo, e outros).

Outro aspecto importante é que, embora o “marxismo-leninismo” tenha assumido como filosofia e perspectiva historiográfica o Materialismo Histórico (adaptando-o a seus objetivos políticos), pode-se perfeitamente pensar correntes do paradigma do Materialismo Histórico (como uma forma de analisar e escrever a história) que não necessariamente se vinculem a qualquer programa de ação política marxista, e que, até mesmo, não visem o socialismo como sociedade ideal a ser atingida. São muito discutidas, no seio de todo um conjunto de autores que se autodefinem historiograficamente como ligados à perspectiva do Materialismo Histórico, temáticas que indagam sobre se o socialismo em alguma de suas formas sócio-políticas, ou o comunismo em algum de seus modelos econômicos possíveis, devem ser mesmo vistos como um telos (um “fim”) a ser alcançado na história, assim como se discute se este modo de organização socialista do mundo humano ocorrerá necessariamente um dia ou não.

O primeiro ponto importante, então, é separar o Materialismo Histórico - enquanto paradigma historiográfico que se oferece como alternativa para a compreensão da história e para a elaboração do conhecimento historiográfico - do “Marxismo” propriamente dito, no sentido de um certo programa de ação política. De igual maneira, dentro do próprio âmbito das idéias de Marx e Engels, devemos distinguir os princípios que se referem ao Materialismo Histórico como método de compreensão histórica – na verdade como uma nova visão teórico-metodológica da História – em relação às opiniões pessoais e particulares de Marx ou Engels com relação a certos aspectos como os destinos históricos das sociedades européias, o advento do Socialismo, a necessidade da implantação de certo modelo de ação política, ou as formas de engajamento do historiador em uma transformação social. Há mesmo muitas opiniões de Marx e Engels nitidamente datadas, que só poderiam ser pensadas para um contexto social específico, e que hoje não mais se aplicariam. E há outras que correspondem a escolhas pessoais destes autores que não necessariamente são inerentes ao paradigma do Materialismo Histórico.

Elaborei um capítulo sobre o pensamento de Marx, no Volume Quatro de "Teoria da História", que procura desenvolver a idéia de que o pensamento de Marx, fundador do paradigma do Materialismo Histórico conjuntamente com Engels, não pode ser confundido com o próprio paradigma do Materialismo Histórico. Este último, embora tenha sido fundado por Marx e Engels nas suas bases iniciais, é obra coletiva, composta não apenas por Marx e Engels, mas também por inúmeros filósofos, sociólogos, antropólogos, economistas, geógrafos e historiadores que os sucedram. O paradigma do Materialismo Histórico constitui-se, por isso, de um um universo com muitas alternativas internas.

Além disso, há posições específicas de Marx que não constituem elementos inerentes (necessários) ao núcleo mínimo do paradigma Materialista Histórico. Como qualquer fundador de um paradigma, Marx se destaca - enquanto autor - do paradigma que ajudou a fundar. A complexa identidade teórica de Marx, segundo postulo, superpõe-se como possibilidade à base irredutível do paradigma do Materialismo Histórico, mas não se confunde com ela.

Sobre isto, ver o último capítulo do Quarto Volume de "Teoria da História" (BARROS, José D'Assunção. Teoria da História - volume 4: Acordes Historiográficos. Petrópolis: editora Vozes, 2011).

Um comentário:

  1. Boa Tarde!

    Olá Galera do Blog Escrita Da História. Me chamo Sivanildo e estudo na UFPE, estive fazendo umas pesquisas na net eu encontrei em seu Blog a melhor explicação para a distinção de Materialismo Histórico e Marxismo muito obrigado mesmo. Queria saber se vocês poderiam me ajudar pra uma prova que tenho após o carnaval, a questão é mais ou menos assim:
    Discuta a abordagem da História denominada de Materialismo Histórico, analisando todos seus aspectos, em particular aprofunde:



    (a) Diferencie o Materialismo Histórico como Teoria e Método do marxismo enquanto programa político;

    (b) Desenvolva os fundamentos do Materialismo Histórico e mostre compreensivamente o papel, a estrutura e a essencialidade das três ordens e dos seus componentes;

    (c) Discuta o conceito de Modo de Produção e mostre as principais abordagens sobre este;

    (d) Discuta os conceitos de Classe Social, Luta de Classes e Consciência de Classe.



    Desde já agradeço demais se vocês puderem me ajudar...

    Abraço! Sivanildo

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