No próximo bloco de textos, introduziremos um novo conceito - o de "campo histórico". Em momentos anteriores, vimos que existem alguns conceitos da Teoria da História que ajudam a apreender a identidade historiográfica dos diversos historiadores. Um historiador pode, embora não necessariamente, relacionar-se com um paradigma teórico (como o Historicismo, o Positivismo, o Materialismo Histórico,entre outros) ou com correntes teóricas mais específicas; pode também se agrupar a outros historiadores em "Escolas" (a Escola dos Analles, a Micro-História Italiana, a Escola Inglesa do Marxismo foram exemplos de escolas historiográficas).
Não é obrigatório que um historiador se autodefina a partir de um paradigma, nem que se filie a alguma Escola Historiográfica. Apesar disso, estes conceitos - o de "paradigma" e o de "escola histórica" - têm sido importantes para dar à Historiografia instrumentos teóricos para analisar os grandes historiadores do passado e do presente, embora aqueles conceitos nem sempre sejam suficientes, e muitas vezes não se adaptem a alguns historiadores. De todo modo, avançaremos agora na compreensão de que Identidade Historiográfica de cada historiador também se constrói através de diversos outros aspectos, como por exemplo o seu estilo, o gênero historiográfico ou as influências que recebe.
A partir deste ponto, veremos que a grande comunidade dos historiadores profissionais, desde que a História começou a se autopostular como conhecimento científico, também tem construído as suas diversas identidades internas através das inúmeras modalidades historiográficas que foram surgindo no interior da História como campo de conhecimento mais amplo. Chamaremos a estas modalidades de "campos históricos".
Podemos pensar nos campos históricos - a exemplo da História Econômica, da História Cultural, da Micro-História, entre inúmeros outros - como especializações que foram surgindo no interior da História, sobretudo a partir do século XX, tal como foi ocorrendo no interior de diversos saberes científicos para além da História. Mas é importante ter em vista que, no caso da História, o historiador não se especializa de fato em um campo único. Isso porque, conforme veremos no próximo texto, o que o historiador faz é trabalhar, em determinado momento, e diante de certo objeto historiográfico, com determinada conexão de campos ou modalidades historiográficas. Podemos pensar, por exemplo, em um historiador que, ao examinar a história da MPB durante o regime militar no Brasil, esteja evocando uma conexão entre a História Cultural, a História Oral e a História da Música.
Os historiadores, enfim, podem, a qualquer momento de suas trajetórias profissionais, trabalhar com os diversos campos históricos disponíveis (já explicitaremos melhor o que são estes campos), e, a cada novo trabalho, podem estabelecer uma nova conexão, uma nova combinação de campos. Claro, pode ocorrer que um historiador tenha preferência por certos campos ou conexões de campos, mas isso é uma alternativa, não uma necessidade. Por exemplo, como a História Econômica requer certas competências teóricas e metodológicas, que devem ser aprendidas pelo historiador que se propuser a atuar com este campo, pode ocorrer de fato que um historiador deseje se beneficiar de uma competência que já adquiriu a certo custo, e que ele se sinta bem à vontade em atuar no âmbito da História Econômica por diversos e diversos trabalhos. Isto pode ocorrer, e nesse caso é como se o historiador em questão tendesse a se especializar em certa modalidade(s) históricas. Mas frisamos que o "especialismo" é uma alternativa, e não uma obrigação para o historiador.
Nosso próximo passo será refletir sobre como os campos históricos podem ajudar a compreender melhor a identidade dos diversos historiadores. Em um dos textos que se seguirão a este, discorreremos sobre o momento em que a historiografia começou a se diversificar em um número cada vez maior de campos internos, e tentaremos propor alguns critérios para compreender estas várias modalidades da História que foram surgindo.
Discorri mais sistematicamente sobre a diversidade de 'campos históricos' em um livro específico - "O Campo da História" (Petrópolis: Editora Vozes, 82011, a edição). Os textos que se seguirão ou foram tirados deste livro, ou foram adaptados de artigos sobre campos históricos específicos, que publiquei durante alguns anos, quando me ocupei em fazer um levantamento das diversas modalidades historiográficas nas quais tem se organizado a historiografia contemporânea.
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