Na última postagem deste blog, refletimos sobre o uso do conceito de "Paradigma" nas Ciências Humanas, e, particularmente, sobre a possibilidade de pensarmos em paradigmas historiográficos. Vimos que, nas Ciências Humanas, e, entre elas, na História, nunca existe apenas um único paradigma à disposição dos seus praticantes, ou mesmo um paradigma dominante que seja aceito como o mais correto pela maioria dos historiadores e cientistas sociais. A História, a Sociologia, a Antropologia, a Geografia, são ciências multiparadigmáticas - isto é, admitem variadas maneiras de serem concebidas, diversos caminhos teórico-metodológicos, diversos modelos de orientação para os cientistas humanos. Mesmo que haja preferência por um único modelo em determinados historiadores, seria leviano, nos dias de hoje, um historiador dizer que o seu modelo de eleição é o único legítimo, o único que assegura cientificidade, ou o único que oferece uma possibilidade de compreensão global dos fenômenos históricos.
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Vamos refletir, neste momento, sobre dois dos modelos que surgiram ainda no alvorecer do século XIX - isto é, precisamente naquele momento em que a História começou a ser postulada como um conhecimento científico. Naquela época, os historiadores conquistavam os seus primeiros assentos universitários, pois a História passava a ser reconhecida como uma Disciplina acadêmica tal como o Direito, a Filosofia, ou diversas outras. Embora a História já existisse milenarmente como campo de práticas e de produção de um saber específico, foi naquele momento que os historiadores passam a se auto-retratar como cientistas. Podemos dizer que aqui começa a se formar efetivamente uma "comunidade científica" dos historiadores profissionais, cada qual atento aos demais e todos preocupados com a consistência global do seu campo de conhecimento. Começam a surgir também as primeiras revistas acadêmicas especializadas em História. Ademais, torna-se muito importante a reflexão teórico-metodológica que então se inicia. Os historiadores passam a sistematizar procedimentos para a análise de fontes históricas, começam a publicar manuais e ensaios de reflexão sobre a historiografia. Eles não mais apenas se satisfazem em escrever a História, mas também passam a discutir o que é a História, a refletir sobre a produção historiográfica de sua epoca e de outras épocas.
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Este foi o contexto intelectual em que começaram a aflorar dois paradigmas muito importantes para a História: o Historicismo e o Positivismo. Logo viria um terceiro paradigma, o Materialismo Histórico, ainda em meados do século XIX. Por ora, vamos nos ater ao contraste entre o Positivismo e o Historicismo. Nossa tábua de comparações será a maneira como cada um destes paradigmas concebeu o problema da Objetividade e da Subjetividade na História.
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A oposição entre o Positivismo e o Historicismo dá-se em torno de três questões fundamentais: (1) a possibilidade ou não de encontrar, na história, padrões gerais que possam ser assimilados a Leis Gerais válidas para as sociedades humanas; (2) a necessidade ou não de que a História desenvolva métodos específicos, bem diferenciados daqueles que eram empregados para as ciências naturais e exatas; (3) a possibilidade ou não de que o Historiador possa almejar uma neutralidade absoluta em relação ao seu objeto de estudo e ao conhecimento por ele mesmo produzido.
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Com relação a estas três questões, os paradigmas Positivista e Historicista se encontram espelhados, e em posições diametralmente opostas. Os positivistas, por exemplo, acreditavam na possibilidade de constituir um conhecimento historiográfico muito próximo ao das ciências naturais em termos de Objetividade, pois acreditavam que as sociedades humanas estivessem ligadas a Leis Gerais que regeriam os comportamentos humanos e mesmo as tendências gerais dos processos históricos. Por enfatizarem a idéia de uma "universalidade" identificável para os seres humanos e para as sociedades por eles formadas, acreditavam que o que seria válido para a história de determinado povo seria válido para a história de cada um dos diversos povos existentes no planeta. Por isso, não tardaria a que se abrisse, na seara criada pelas correntes positivistas, uma perspectiva evolucionista: o desenvolvimento histórico de todas as sociedades daria no conduziria ao mesmo lugar. Como as sociedades européias eram as mais desenvolvidas tecnologicamente, a ideia de desenvolvimento universal das sociedades humanas levaria certos positivistas a encararem as sociedades ocidentais (Europa e Américas) como aquelas que estavam em um estágio mais avançado da evolução social, de modo que outras sociedades não seriam sociedades essencialmente diferentes das ocidentais, mas na verdade mais atrasadas. Com o "progresso", uma noção que se torna bastante forte na época, essas sociedades deveriam desenvolver um padrão similar ao das sociedades européias no se´culo XIX.
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Os Historicistas tenderam a enfatizar, em oposição à ideía de "universalidade" da razão humana, os particularismos. Cada povo precisaria ter a sua história analisada nos termos de suas próprias especificidades. Ao invés da "unidade" da razão, os historicistas tendiam a enfatizar a "diversidade" do mundo humano e dos tempos históricos. Em geral, os historicistas rejeitavam a idéia de que seria possível identificar "Leis Gerais" válidas para a humanidade e para a história dos diversos povos. Há um contexto político que favorece, em algumas das nações européias, tais como a Alemanha, esta postura teórico-metodológica. Nesta época, assistimos a uma redefinição do universo político-territorial europeu, e se afirmam os Estados-Nações que saem fortalecidos após o fim das guerras napoleônicas. Muitos historiadores são contratados para escreverem a história de seus países de acordo com uma perspectiva particular e única, e outros são chamados para liderar a constituição de Arquivos Nacionais que deveriam guardar a documentação importante para o estabelecimento da própria memória nacional. O Historicismo se fortalece diante destas novas demandas, e os países de língua alemã tornam-se seus principais focos, que depois são difundidos para outros países como a Inglaterra, a Itália, a Espanha, Portugal.
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Outro ponto de contraste entre os paradigmas Positivista e Historicista refere-se à idéia de que, para os historicistas, a História deveria encontrar métodos próprios. Os Historicistas começam a conceber a História como uma ciência específica, distinta do padrão científico difundido a partir das chamadas "ciências naturais". Os positivistas, ao contrário, procuram aproximar os modelos entre os dois ramos de ciências: as Sociais e as Naturais.
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Por fim, um ponto de destaque no contraste entre Historicismo e Positivismo é a questão da Neutralidade possível ao historiador diante do conhecimento histórico que ele mesmo produz. Os Positivistas preconizavam para os historiadores um tipo de neutralidade que deveria ser similar aos dos cientistas naturais. Acreditavam, de modo geral (e é claro que estamos aqui apenas falando em um modelo-limite) que o historiador poderia se destacar da sociedade que estivesse examinando e agir com neutralidade absoluta na sua análise formulação de questões: ele poderia examinar um processo histórico tal como um botânico examina uma planta. Já os Historicistas tenderam a enfatizar a idéia de que, por mais que os historiadores se empenhassem em assegurar Objetividade para o seu trabalho, eles mesmos estariam sempre imersos na própria história, e também seria histórico o produto de seus trabalhos. A perspectiva historiográfica adotada, enfim, estaria relacionada ao contexto social e histórico do próprio historiador, às possibilidades de concepções oferecidas pela sua própria época, às demandas dos homens de seu tempo. Para o Historicista, não apenas cada sociedade humana ou processo histórico tinha a sua própria história e a sua própria singularidade; também os historiadores tinham cada qual a sua própria história, relacionada à história da tradição a que se ligariam mesmo que involuntariamente, e cada historiador teria sempre a sua perspectiva afetada pelo seu contexto imediato e pelos acontecimentos de sua própria época, sem contar outras subjetividades pertinentes a cada historiador.
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Para uma compreensão mais aprofundada no contraste entre os paradigmas Positivista e Historicista, sugiro a leitura do seguinte texto:
http://www.revistas.uepg.br/index.php?journal=tel&page=article&op=view&path%5B%5D=1116&path%5B%5D=897
Uma das minhas disciplinas envolve este assunto e este post no seu blog esclareceu muitos aspectos dessas duas correntes do pensamento histórico. Muito obrigado!
ResponderExcluirMuito obrigada! Minha disciplina da facul aborda este assunto e seu post irá me ajudar muito! valeuuuu!
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